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Quais os impactos da Reforma Tributária nas malhas de abastecimento?

Publicado em 23/02/2024

Em debate promovido pela MundoLogística, executivos abordaram o avanço da legislação brasileira, que levanta uma série de questionamentos sobre as implicações para a logística no país

Por Camila Lucio


A Reforma Tributária brasileira levanta uma série de questionamentos sobre as implicações para a logística (Foto: Freepik)

Promulgada no final de dezembro pelo Congresso Nacional, a Reforma Tributária foi anunciada pelos parlamentares com uma simplificação da cobrança de impostos sobre o consumo para incentivar o crescimento econômico do país. Segundo a Agência Senado, a Emenda Constitucional estabelece as bases para unir impostos sobre o consumo de estados e municípios, acabar com a guerra fiscal e dar mais transparência aos tributos pagos.

Hoje, o imposto é recolhido na origem, fazendo com que os estados reduzam, posterguem ou isentem as empresas de impostos buscando atraí-las. O principal efeito da aprovação é a unificação, a partir de 2033, de cinco tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — em uma cobrança única, que será dividida entre os níveis federal (Contribuição sobre Bens e Serviços) e estadual/municipal (Imposto sobre Bens e Serviços).

Ocorre que o avanço da Reforma Tributária brasileira levanta uma série de questionamentos sobre as suas implicações para a logística no país — inclusive nas malhas de abastecimento, que foram construídas ancoradas em benefícios fiscais pela maioria das empresas brasileiras.

No final de 2023, o ILOS conduziu uma pesquisa com executivos de Supply Chain de grandes empresas no Brasil, na qual 78% dos participantes afirmaram que os fatores fiscais foram determinantes na definição das suas respectivas malhas de distribuição, com cerca de 40% do faturamento dessas empresas oriundos de centros de distribuição incentivados.

A temática segue acesa em 2024, sendo pauta em debate de executivos do setor em evento organizado pela MundoLogística. Durante a discussão, Patricia Bello, Supply Chain Transformation Director da Leroy Merlin, arriscou dizer, em 99% dos casos, o ganho tributário é maior do que qualquer custo de frete de transporte de locação colocado na equação. Segundo a executiva, o desenho de malha é uma equação complexa que quer balancear nível de serviço, ESG, custos e, no caso no Brasil, o aspecto tributário.

“Já fiz alguns projetos que o objetivo era encontrar um cenário para desempoçar crédito de impulso. Em outros, temos um regime especial no Rio de Janeiro, mas um mesmo produto no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para atender o consumidor de São Paulo, o produto sai de onde? Rio de Janeiro. Mas a gente quer capturar esse ganho e também quer entregar CMD, além de poluir menos”, afirmou.

Apesar da Reforma Tributária impactar na equação, a executiva também vê com um olhar positivo em relação à tomada de decisões mais lógicas que farão sentido do ponto de vista de fluxo logístico, de eficiência, de rapidez, de pegada de carbono.

IMPACTO DA REFORMA TRIBUTÁRIA NA INDÚSTRIA

Na indústria de bebidas também deve ter uma grande preocupação com a mudança da legislação. Isso porque a reforma tributária cria o Imposto Seletivo, com o objetivo de desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Um exemplo de aplicação do IS é sobre cigarros e bebidas alcoólicas, que tem sido chamada pela imprensa de “Imposto do Pecado”.

Na avaliação da diretora de Supply Chain do Campari, Renata Fioravante, a legislação será positiva no sentido de estar mais próximo do cliente, mas acredita que a indústria poderá ser mais penalizada. Além disso, o setor não vê apenas como uma questão de malha logística, como é no e-commerce, mas de uma localização de planta.

“Tenho uma indústria estrategicamente localizada em Pernambuco, no porto de Suape. Então, por exemplo, eu atendo o Rio de Janeiro por Recife, pagando um custo logístico alto, mas o meu incentivo compensa. [...] E isso vai mudar completamente quando eu saio de um benefício que hoje é na minha origem e vou para o meu destino, muda o meu cenário de consumo. Hoje, 10% do consumo dos meus produtos está no estado de Pernambuco e tenho toda a minha produção lá. Talvez eu não tenha que ter uma planta lá em Pernambuco. Talvez eu tenha que pensar no greenfield, próximo da região Sul-Sudeste, onde está 70% do meu consumo. Então, é algo que ainda é muita incerteza do cenário”, explicou.

Ainda conforme explicação da executiva, a Reforma Tributária fará as empresas repensarem a malha de abastecimento, mas onde tem que estar a indústria — ou seja, a planta. “Acredito que algumas áreas não sofreriam tanto e teriam muitos benefícios, mas, no caso, também não se gera uma planta do dia para a noite. E não posso decidir investir em uma planta agora aqui sem essa certeza do que vai acontecer”, afirmou Renata.

REAL ESTATE AVANÇARÁ PARA OS CENTROS?

À medida que o setor se adapta às novas demandas e desafios, a flexibilidade e a capacidade de inovação serão fundamentais para o mercado imobiliário logístico. Segundo obervação da sócia-fundadora e CEO da EREA, Clarisse Etcheverry, a melhor solução depende do que cada empresa faz, dentro da linha de cada uma, olhando de uma maneira mais segmentada e buscando uma solução por segmento.

“Acredito que vai existir mercado para tudo. E o mercado vai variar, obviamente, vão ter setores que demandarão características mais de uma armazenagem dentro da cidade. Outros vão fazer um last mile de Cajamar com veículos menores e talvez essa maximização seja uma grande oportunidade para terceirização e para os operadores logísticos. É o entendimento dessa segmentação e buscar soluções eventualmente proativas. Por exemplo: uma empresa tem determinada dor , essa também tem, são concorrentes, mas como consigo, eventualmente, prover um serviço aqui que tenha a vantagem da consolidação e que eu vou trazer um benefício coletivo de custo para as duas empresas que concorrem, mas que naquela vertical faz sentido? Acredito que depende de cada empresa, mas a gente vê, sim, empresas de e-commerce discutindo junção de operações”, esclareceu.

Segundo a executiva, essa discussão da criatividade, do olhar diferente sobre a mesma operação vai trazer mudanças substanciais na maneira como armazenamos os produtos e vai impactar o setor de real estate.

O MERCADO ESTÁ PREPARADO PARA A REFORMA TRIBUTÁRIA?

A proposta de equalizar impostos e eliminar a guerra fiscal é vista como um avanço para trazer transparência para o país. No entanto, há preocupações sobre a preparação do mercado e do governo para lidar com os impactos econômicos e logísticos dessa reforma. Justamente porque o Brasil é um dos poucos países onde a menor distância não é a mais barata e, consequentemente, a malha logística construída em função dos benefícios fiscais que vem de longa data.

Na avaliação do diretor da CEVA, Francisco Tarosso, um passo atrás sobre preparação do mercado, vem do plano que o governo federal tem estabelecido para estruturar o país, antes de aplicar, de forma estruturada, essa reforma tributária.

Segundo o executivo, apesar equalização de impostos acabar com a guerra fiscal, gerando transparência e credibilidade, tem impactos econômicos muito grandes que o governo precisa se preparar antes. “Quando a gente faz equalização, por exemplo, desses impostos, vai haver uma migração dos movimentos logísticos para os grandes centros. Esses grandes centros estarão preparados? Como estará nossa estrutura portuária, por exemplo? Como estará a nossa infraestrutura de rodovias e estradas? Como estará a nossa estrutura e a nossa preparação de galpões? Vai gerar uma demanda imensa e a oferta vai acompanhar? A gente não constrói um centro de distribuição de larga escala e de alta performance da noite para o dia. O governo vai conseguir projetar antes para que a gente possa se preparar e ter ali uma estrutura adequada?”, questionou o executivo.

Francisco também colocou como dúvida, como ficarão os estados como a migração da economia para os grandes centros. Ele acredita que o governo vai ter uma obrigação de ter planos contingenciais para suprir esse vácuo que ficará.

“Então, tem um passo antes que a gente precisa cobrar, inclusive, o governo para que a gente possa fazer uma transição super bacana desse processo da reforma tributária, que vai beneficiar todo mundo com certeza e que vai melhorar a economia. Mas se a gente não fizer de forma estruturada, eu acredito que o mercado vai sofrer muito”, apontou.

CENÁRIO DE INCERTEZA

Na avaliação dos executivos, embora haja discussões sobre as possibilidades e oportunidades que a reforma pode trazer, a falta de clareza sobre os detalhes concretos impede uma preparação eficaz.

“Ainda existem muitas dúvidas no ar com relação ao tema. [...] Eu diria que ainda é cedo para a gente conseguir, até os próprios clientes, ter uma visão já clara de qual é a decisão que vai ser tomada daqui para frente”, afirmou Francisco Tarosso.

“É complexo demais e envolve um monte de variáveis. Além da complexidade política vamos ter mais duas trocas de presidente. Então, não sabemos se o que está na legislação terá alterações”, ressaltou Patrícia Bello, da Leroy Merlin.